Professor do departamento de engenharia civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli / USP), Vanderley Moacyr John é também um dos membros da comissão coordenadora do Centro de Inovação em Construção Sustentável (CICS), junto aos professores Francisco Cardoso, Orestes Gonçalves e Vahan Agopyan. Iniciativa pioneira do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Poli, o centro reunirá pesquisadores, entidades setoriais, indústria e representantes da sociedade para discutir e testar tecnologias e soluções inovadoras para o setor. Uma das maiores inovações do projeto será o próprio edifício, projetado pelo escritório aflalo/gasperini, que funcionará como um living lab, ou seja, um laboratório para testar, de forma sistêmica, integrada e real, diversas soluções construtivas. Com orçamento inicial estimado em R$ 15 milhões, o CICS teve seus espaços projetados para garantir flexibilidade máxima ao edifício, já que a proposta é testar, monitorar e também substituir os sistemas e materiais instalados. Soluções de fachadas, coberturas, revestimentos e iluminação, por exemplo, serão submetidos a testes e monitoramento constantes, informa Vanderley John. Em entrevista à Gisele Cichinelli, o professor explica como será o projeto, segundo ele, inédito no hemisfério sul.

QUAL É O OBJETIVO DO CICS?
A proposta do CICS é ampliar o trabalho que já fazemos na Escola Politécnica da USP há algum tempo, que é desenvolver pesquisas aplicadas e com foco na resolução de problemas da sociedade. Hoje, temos vários grupos de pesquisa que trabalham isoladamente, de modo disperso e fragmentado. A ideia é reunir em um mesmo espaço esses grupos e também empresas, permitindo a interação entre colegas de outros departamentos e unidades, e a combinação de capacitações para a resolução de problemas de forma integral. Queremos juntar todos os conhecimentos que estão dispersos para oferecer respostas sistêmicas para a sociedade.

O CICS REUNIRÁ EQUIPES APENAS DA USP?
Teremos a colaboração de profissionais de fora da escola que já trabalham conosco, como é o caso do professor Roberto Lamberts, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que desenvolve pesquisas na área de eficiência energética, definindo métricas nessa área em nível nacional. Não é possível fazer uma discussão séria sobre edifícios do futuro sem levar em consideração o grupo que tem sido o braço definidor das regras do governo sobre eficiência energética. O centro é um esforço para criar um espaço de colaboração que permita que a academia interaja com o setor e ofereça soluções que não sejam apenas parciais, mas sistêmicas. O conhecimento deve ser desenvolvido por especialistas, evidentemente, mas só pode funcionar se for integrado aos demais.

E O DEBATE COM A SOCIEDADE, COMO SERÁ?
Em um segundo momento nós teremos, além dos universitários envolvidos, também um comitê de stakeholders. Queremos trazer a sociedade e as ONGs para o projeto. Não adianta desenvolvermos soluções que não serão aceitas pela sociedade.

QUEM FARÁ PARTE DESSE COMITÊ E QUAL O SEU PAPEL?
Teremos os investidores do prédio e representantes de instituições e entidades do mercado da construção civil. Também esperamos ter a participação de representantes governamentais relevantes, tanto do setor da construção civil como do setor ambiental. O-comitê é externo, funcionará de modo independente e deverá supervisionar nossas atividades. O grupo de stakeholders não irá determinar o que a universidade irá fazer ou não, mas permitirá um entendimento melhor entre os agentes do setor e o desenvolvimento de soluções comuns. A universidade não deve necessariamente fazer o que a sociedade quer, mas sim ir além dessas demandas. No entanto, precisamos criar canais para que a sociedade se aproprie do que a universidade faz. Com o Centro, queremos encurtar a distância entre universidade e sociedade, agregando o conhecimento disperso, ouvindo as ideias da população e expondo as nossas. Obviamente que as tensões surgirão, mas elas são necessárias para que os avanços aconteçam.

COMO ISSO SERÁ FEITO NA PRÁTICA?
Como parte do projeto, construiremos um prédio diferenciado, que funcionará como um living lab, ou seja, um laboratório vivo para desenvolvimento de pesquisas. Diversos setores já estão desenvolvendo inovações em suas áreas, mas falta reunir todos os componentes e materiais da construção civil em um edifício único, com um projeto agregado. Hoje, há muitas soluções inovadoras mas, paradoxalmente, muitos dos chamados green buildings estão com um média de consumo idêntico aos edifícios normais e, em alguns casos, até maior.

A QUE SE ATRIBUI ESSES RESULTADOS?
Hoje, sabemos quais são os impactos da construção e como minimizá-los. O que nos interessa saber agora é como minimizar os impactos do edifício ao longo da sua vida útil. Nessa conta, devemos incluir os hábitos e comportamentos dos usuários. É preciso integrar partes otimizadas em sistemas complexos, criados por especialistas. Pequenas diferenças de projeto, como orientação dos prédios, por exemplo,também podem ter um impacto enorme nos resultados. Nos Estados Unidos, inclusive, muitos arquitetos têm sido processados em virtude de desvios de desempenho especificados em projeto.

COMO FUNCIONARÁ O CICS?
Como vai operar no conceito de living lab, a ideia é testar as soluções em condições reais e controladas de uso. Uma lâmpada inovadora, por exemplo, poderá ser instalada no prédio, interagindo com outros materiais e sistemas, e poderá ser testada dentro de uma situação real de uso. Será um projeto extremamente flexível, com fachadas e vidros que podem ser retirados a qualquer momento. A iluminação e os sistemas de ar condicionado poderão ser substituídos. O edifício será instrumentado com diversos sensores para medir os parâmetros de desempenho.

E QUANTO ÀS SOLUÇÕES ESTRUTURAIS?
A estrutura terá de ser definitiva enquanto o prédio durar, mas nosso objetivo é testar soluções. O primeiro patrocinador do prédio é a InterCement, que doou R$1 milhão para a construção do Centro. Temos, em conjunto com a empresa, o projeto para desenvolvimento de um concreto de alta performance, capaz de reduzir seu impacto ambiental em até quatro vezes, sem alteração significativa de custo. As soluções de estruturas serão definitivas, mas terão algum grau de inovação, obviamente com riscos baixos envolvidos.

COMO O PROJETO ARQUITETÔNICO SE ALINHA COM O PROGRAMA DE ATIVIDADES DO CICS?
O projeto arquitetônico é de autoria do escritório aflalo/gasperini. Ainda está em fase de definição, mas uma premissa básica, que foi plenamente incorporada pelos projetistas, é que fosse totalmente flexível. Teremos várias soluções de fachada, por exemplo.

EM QUE FASE ESTÁ O PROJETO DO CICS?
As empresas estão trazendo doações, projetos de pesquisas e ideias. Há pessoas que vem com ideias, apenas. Algumas, inclusive, que não puderam ser testadas, já que os pesquisadores não conseguiram chegar às empresas que poderiam testá-las. Muitas parcerias já estão sendo feitas nessa fase de discussões e negociações. Há empresas que têm ideias, mas não dinheiro para desenvolvê-las e estão procurando fazer parcerias para isso. Tudo isso demonstra o potencial da nossa abordagem. Vale lembrar que o edifício também terá vocação para ser um laboratório de protótipos, para ser a porta de entrada para a primeira aplicação de muitas tecnologias novas, diminuindo os riscos do investidor.

QUANDO O PRÉDIO SERÁ CONSTRUÍDO?
O objetivo é que, até o final do segundo semestre de 2016, as obras sejam iniciadas. O prédio será construído entre as escolas de Engenharia Civil e de Minas e Petróleo. Teremos a colaboração de politécnicos, formados na Escola Politécnica, que também nos ajudarão a formatar o projeto. A expectativa é que o prédio esteja em operação até o primeiro semestre de 2017.

COMO SERÁ FEITA A OPERAÇÃO E MANUTENÇÃO?
Teremos engenheiros responsáveis por essa máquina de teste que é o prédio, que também abrigará o Laboratório de Microestrutura e Ecoeficiência de Materiais. Ao mesmo tempo, como será um campo de avaliação, os testes terão custos que devem ser pagos. Temos na USP um curso de gestão de facilities e acreditamos que poderemos fornecer dados concretos sobre operação e manutenção para esses estudos, um gargalo para avanços nas pesquisas dessas áreas hoje.

O PRÉDIO SERÁ DA ESCOLA POLITÉCNICA DA USP?
A USP possui as suas unidades e departamentos, mas também os Núcleos de Apoio a Pesquisa (NAPs), criados para fomentar o desenvolvimento de pesquisas que reúnem capacitações diversas. O prédio do CICS será da Escola Politécnica, mas o grupo de inteligência em pesquisas será da USP e também de outras universidades. A ideia, inclusive, é fornecer dados, quando possível, para pesquisadores de todo o Brasil, no formato open resource. Também estaremos abertos a abarcar ideias de fora.

A PROPOSTA DO CICS É INÉDITA NO BRASIL?
Em países tropicais, é inédita sim. Hoje, tudo que discutimos sobre sustentabilidade baseia-se em informações que vêm do hemisfério norte, muito mais frio e também muito mais rico que o Brasil. Nossa ambição é internacional, inclusive estamos negociando para participar do programa de meio ambiente das Nações Unidas.

O CENÁRIO POLÍTICO E MACROECONÔMICO PODE TRAVAR O DESENVOLVIMENTO DE NOVAS TECNOLOGIAS NA CONSTRUÇÃO CIVIL?
Já vi diversos cenários e avalio que dessa crise sairá um país melhor. Vivenciamos um superaquecimento no setor de construção civil e agora é hora de nos ajustarmos à nova realidade. No momento de crise, é hora de repensar e planejar. Nesse momento, as empresas estão planejando o futuro. Estamos no timing perfeito para concretizar esse projeto e estamos obtendo o apoio de uma quantidade muito maior de empresas do que imaginávamos incialmente, para nossa surpresa. As empresas que permanecerão no mercado terão de aumentar a produtividade, portanto as novas tecnologias serão ainda mais essenciais. Só sairão da crise as empresas mais resilientes e que estão resolvendo seus gargalos nesse momento de baixa.

Fonte: Revista Finestra – edição 99. Julho/Agosto de 2016.